• O baile dos tratoresComo eu já disse num post precedente, as estações climáticas no hemisfério norte são muito marcadas,  sobretudo aqui na Alsácia, cujo clima é definitivamente continental. Elas ritmam nossas vidas... e nossos humores. O meu em particular. O baile dos tratores

    Moro no campo, numa cidadezinha de mil habitantes sobre a qual costumo dizer que é a cidade do Astérix e dos irredutíveis gauleses, pois fazem de tudo para mantê-la pequena. Aqueles que já vieram aqui sabem que minha casa fica na beira de uma rua "movimentada" com alguns carros que passam de manhã, outros no fim da tarde, mas que tem a particularidade de ser o caminho dos agricultores para os campos de trigo e de milho, principais culturas nessa parte da Alsácia, mais rural, conhecida como o Sundgau, que coabitam com algumas fazendas de gado leiteiro. O baile dos tratores ao qual assisto pela minha janela me dizem, agora, que o outono chegou e que está na hora de cortar o milho, último sobrevivente dos verdejantes espaços pelos quais me deleitei de bicicleta durante a primavera e o verão, e preparar a terra e enrolar o feno para alimentar os animais e encarar o inverno. O trigo já foi cortado há algumas semanas, precocemente, devido ao verão excepcionalmente quente que tivemos esse ano. Tanto que as vinhas que fazem a reputação vitícola da região, abundantes este ano, foram também precocemente colhidas, porém, infelizmente, não as vejo daqui, essas são um privilégio dos habitantes da zona central alsaciana. O baile dos tratores

    Quando começo a ouvir o som dos tratores passando de manhã cedinho embaixo da minha janela, sei que está na hora de tirar os casacos dos armários e guardar as havaianas, que os piqueniques terão que esperar o próximo mês de abril, que logo veremos diversas variedades de abóbora nas barracas dos mercados, que poderemos colher nozes e castanhas nas florestas, que comeremos menos saladas e mais sopas, que começarão as feiras do livro e que iremos mais ao cinema. As cegonhas desertam a Alsácia em busca do calor africano. Elas têm razão. Eu diria que o outono é uma preparação psicológica para o inverno, ele vai nos aclimatando para evitar um choque frontal ; trocando o verde e colorido das flores, pelo amarelo e vermelho daO baile dos tratoress folhas, antes de instaurar o cinza da neblina e o branco da neve. Ele nos força a uma repouso obrigatório dos prolongados aperitivos no jardim e dos intermináveis churrascos noturnos, dos cafés nos terraços dos bares que já retiraram as mesas das calçadas, das baladas de bicicleta e dos passeios nas montanhas circundantes. Há por aqui quem prefira as caminhadas na neve, de raquete ou de esqui nórdico, mas ainda não atingi esse nível de desprendimento e adaptação. Quem sabe numa outra vida? Mas fico muito contente em saber que essas pessoas existem, que o inverno as fazem felizes, afirmando, com muita convicção, nesses tempos sombrios de preconceito e discriminação, que a diversidade é necessária ao equilíbrio social.  Que é o outro, múltiplo, que nos faz crescer e aprender coisas novas e exóticas, que é a alteridade que nos obriga a pensar fora da caixa, a olhar além e a redescobrir nossa própria humanidade. Viva diferença! 


    4 commentaires