O outono na Alsácia

Geralmente quando digo que moro na França, muita gente me diz: “Que chique!”. Ledo engano. Os franceses são pessoas extremamente simples que não gostam de ostentar. Levam uma vida singela, com hábitos inocentes e familiares. Não sei exatamente de onde vem essa imagem que se tem da França, provavelmente das revistas de moda ou da qualidade de seus perfumes, mas ela não corresponde em nada ao cotidiano das pessoas na maior parte do país. Com exceção, talvez, da capital, onde a vida deve ser bem diferente da que temos aqui, mas não morei suficientemente em Paris para poder sustentar essa afirmação. O que é certo é que, aqui na Alsácia, eles têm uma relação particular com a natureza, devido, possivelmente, ao seu clima continental onde as estações do ano são bem marcadas e exercem um papel central na vida social: as estações orientam nossos passeios, programas, os pratos que comemos e o cenário que nos envolve. E isso inclui as belíssimas cores do outono europeu.

Ah, as cores outonais...  

O outono começa em setembro, mas é em outubro que atinge seu apogeu. A paisagem é deslumbrante de uma variedade estonteante de amarelos, vermelhos, laranjas que vão progressivamente expulsando o verdor, mesmo se, no final, coabitam com o verde remanescente daquelas folhas que insistem em não cair mesmo durante o inverno. O sol ainda esquenta nosso corpo já envolto em um friozinho gostoso. Agarramo-nos aos seus raios que sabemos serem os últimos a chegar pacificamente até nós antes da primavera. O sol do inverno alsaciano ilumina, mas não esquenta.

Famílias e grupos de amigos organizam passeios nas florestas para colher cogumelos, castanhas ou nozes. Os cogumelos, a maior estrela da estação, são geralmente preparados na volta da colheita, quando reunimo-nos em torno de uma poêlée de cèpes e um bom vinho tinto (de preferência um Bordeaux, mas digo isso baixinho para meus amigos alsacianos não ouvirem). É também a estação das diversas variedades de abóbora que usamos geralmente para um velouté com castanhas. Pequenas cidades organizam a “Festa da Abóbora” com especialidades doces ou salgadas à base desse cucurbitáceo. Não é à toa que na tradição do Halloween imensas abóboras são usadas na decoração e nas fantasias, elas invadem as barracas de feiras e supermercados.

Essa sazonalidade manifesta-se também nos vinhos, é o tempo das vendanges, a colheita das uvas, seguidas das festas de degustação de vinhos novos ou, aqui na Alsácia, do vinho bourru. Esse vinho pouco conhecido é vendido ainda em fermentação, é pouco alcoolizado, mas bastante doce, e deve ser consumido rapidamente. Situa-se entre um vinho e um suco de uvas. Segundo a tradição alsaciana, ele é degustado com nozes e finas fatias de bacon frito.

Mas o vinho não é a única bebida que surge no outono alsaciano. A cerveja também faz sua aparição nesse período do ano, a exemplo da Oktoberfest de Munique, a mais conhecida, copiada, em menor escala, por pequenas cidades alsacianas. Essa bebida ocupa, aqui, um lugar de destaque, pois essa região é responsável por 60% da produção de cerveja nacional: as seis maiores cervejarias francesas encontram-se no Bas-Rhin. Além das pequenas brasseries artesanais espalhadas pelo território alsaciano, herdeiras da tradição germânica do Stammtisch, que reúne amantes desse néctar em torno de uma mesa de bar para sua degustação. 

Tudo isso é uma prévia do que nos aguarda no inverno, particularmente aqui na Alsácia, onde os mercados de Natal perfumam as ruas das cidades desde o fim de novembro.